Todos parecem felizes na frente das câmeras. Quando vão pra casa, choram. Muito. Fingir felicidade, transparecer algo que não se tem deixa um vazio que dói e tenta consumir tudo à sua volta. Produz rios lacrimosos que escorrem nas faces dos fingidores, quando estes estão no refúgio de suas casas, lá, onde se sentem seguros e sozinhos. No caminho, às vezes. Quando já não dá mais para segurar a dor que irrompe o peito, as lágrimas ganham vida própria e atravessam os caminhos desconhecidos. Elas [as lágrimas] não temem sair de seus abrigos e rumar ao desconhecido, expondo as angústias de seus antigos aprisionadores. Ao contrário deles, elas se dispoem ao objetivo pelo qual foram inventadas. Quem inventou as lágrimas? Alguém poeta. Pois o ato de chorar envolve mais poesia que muitos atos tão cultuados. No entanto, ocorre verdadeiramente no solitário, no escondido, no escuro. Quando todos fecham os olhos e se desligam do mundo. Quando os sonhos são permitidos e lençóis alvos percorrem espumas e corpos, abrigando as fantasias deslocadas. Quando a imaginação toma forma e domina o mundo, enquanto do outro lado, outros se preocupam na claridade e no caos. A paz de uns é a agitação de outros. E a dor continua, só se esconde para mandar dizer que não existe. Ocorre na intimidade de si mesmo, na ciência do próprio ser. Quando nossas mentem se depositam no macio e os pensamentos se tornam tão cortantes que fazem com que cortemos os pulsos. Pelo menos o desejo de fazê-lo aparece quando nos dispomos a avaliar o que vivemos à claridade. Quando tínhamos que olhar nos olhos das outras pessoas e dramatizar sentimentos felizes. No que pensamos e o que fizemos. No que deixamos de fazer por medo das outras pessoas, ou pelo que elas iriam achar, ou pelo que elas irião perceber do nosso íntimo. Ocorre na dor de um ser que não se conforma com este mundo e tanta transcender o que sofre. Se ocorre na frente de outros, ou é de quem se tem confiança, ou é falso e sem valor, profanado pelo desejo de fuga. As lágrimas são sagradas, pois foram criadas por Deus e são uma forma de prece comovida, pois à medida que elas saem, e começam a secar, nos acalmamos e nos reconfortamos. Deus poeta deve tê-las criado para nos mostrar nossa fragilidade e delicadeza. Mostrar como somos impotentes diante de um mundo que nos açoita querendo receber sorrisos e agradecimentos pela alma machucada e o corpo ferido. Mostrar como nos sentimos melhor apenas com simples gotas salgadas, que quando chegam à boca, depois de já ter lavado o rosto sofrido, vêm com um gosto amargo e doce ao mesmo tempo. A língua passa freneticamente pelos lábios, recolhendo mais néctar para nutrir o espírito. Apenas com quatro elementos químicos nosso espectro sublima e se paralisa. Pelo menos a dor diminui ou adormece, esperando pelas próximas pancadas, quando novamente nos humilhará diante do mundo. O Poeta inventor das lágrimas talvez tenha posto o lirismo das gotas que levam um pouco de nosso interior para o mundo que nos aflinge na frequência em que elas ocorrem. A abundância de lágrimas não mostra necessariamente fraqueza. Porque a dor, às vezes, aceita ficar quietinha dentro de nós, só destruindo lentamente à nós mesmos, sem revelar aos outros a amargura que nos dá fôlego. E às vezes rompe todas as barreiras sem que sequer percebamos. Nem a ausência mostra necessariamente força, pois às vezes a dor é externada através de castigos para outros, na forma de um sadismo que a ninguém verdadeiramente causa satisfação. Mas as variações e o tempo e as situações que nos ocorrem para que elas caiam enfeitam a vida e a morte, como num ciclo harmonioso ordenado pela gaia. O Poeta pode ter trabalhado na frequência com que elas não ocorrem, as tornando especiais e únicas, pois cada gota daquela é composta por uma combinação única de sentimentos, que só nasce uma vez em todo o universo. Muitas vezes, elas são mais devastadoras que as tempestades. Apenas com algumas gotas purificam nosso interior, ou põe mais ódio dentro de nós pelo que nos causou a humilhação das lágrimas. E elas continuam trazendo em si algo de divino, talvez proveniente do Poeta. Pois no mal traz o bem. E no bem nos recorda do mal, para que não voltemos a pisar lá, na terra seca, onde só as lágrimas penetram, nos guiando para a calmaria. Desbravadoras de um mundo mau, elas enfrentam sem medo as barreiras que se impoem à elas. Se algo é fincado em meio a seus caminhos, elas apenas contornam o imprevisto. Elas traduzem os sentimentos conturbados dentro de nós, que acabam por ebulir na forma de água sagrada. Elas transformam dor amarga em água purificadora. Os rios que desenham a face devem pesar muito, pois geralmente quem chora de verdade abaixa a cabeça e a leva em direção ao peito, onde dói, onde as chagas tentam abrir. O fingimento da felicidade só produz mais dor, e mais depressão. Pois os conflitos podem ficar escondidos algum tempo, mas cedo ou tarde, vêm reclamar seus direitos de resolução, desejando rumar ao céu dos sentimentos. Lá, eles já não ficam mais envoltos em lágrimas para a hora do parto. As câmeras não filmam esse céu...
Desde antigamente.
sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
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