domingo, 26 de julho de 2009

destino

vejo cidades ao longe
e enxergo almas desertas
não como existências secas
ocas
é vida que tremula e tange
o que há em mim
mas se esconde
e já não habita
a não ser em segredo
todo lugar onde eu esteja
nada segue a razão inicial
é tudo plano alternativo
eu vivo uma eterna situação emergencial
que urge, mambembe, feita de improvisos
e nunca acaba
sempre plena de remendos e atalhos
cadê o destino?
quero uma raiz
e uma moira
pelo menos
mais dedicada.

vcf 21.06.09

sábado, 25 de julho de 2009

prisão

a terrível sensação
de sentir-se presa
pelo teto azul
com nuvens
explícita a minha prisão:
meu olhar
e tudo que é visto -
que se corrompe.

terça-feira, 21 de julho de 2009

o teu olhar, tão meu, sempre tão pleno de afeto, sumiu. e eu sucumbi, e tu nem soubestes. mas eu, que sofri, sempre soube... porque sempre foi claro como uma nuvem, tudo isso.

sábado, 11 de julho de 2009

torradas

do alto, ela só podia ver a janela. sozinha, mas sem solidão, ouvia os sons do sobrado. família reunida, torradas, requeijão, era tarde, havia crianças naquela casa. pensava na sua criança, que nem era tão dela. e imaginava como seria quando tivesse a sua, própria, tão sonhada. imaginava que quando fosse mãe, seria a melhor que já existiu. a natureza destrutiva, sempre tão cáustica e arrebatada de emoções parecia apaziguar toda vez que pressentia o instinto maternal que sussurrava dentro de si. crianças. ai, como o mundo é mau, como a vida é dura, como colocar mais um ser nesse sofrimento mundano? sua parte mais sagrada às vezes parecia um egoísmo. porque talvez seja muito tolo pensar que se pode criar um ser e dar a ele todas as condições de viver em paz. ah, mas sempre há a ilusão de poder controlar o universo pequenino em volta de um humano, imenso e vastíssimo dentro de si. será egoísmo querer dar vida a um ser que ainda não existe, trazer para o plano profano das ilusões inevitáveis o ser que se pretende ser o mais amado que já houve? não, ela já não podia pensar assim, viver era mais que o que ela tinha. tão jovem, e já necessitada de algo que desse continuidade à si mesma... filhos são eternamente filhos, e a eternidade fascina cada um que tem o pecado dentro de si. e talvez o pecado entre em cada um a partir do primeiro respirar, assim que se procura com a dor de inflar os pulmões virgens em busca da primeira lufada de ar. apagava cada cigarro pensando que a vida dela um dia seria plena, com crianças, lar imaculado e torradas. cada um tem os sonhos que merece.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

me diz, desse teu jeito de se expressar... da forma como tu andas. do brilho do teu olhar quando tu falas de coisas simples, tão simples, que parecem ter todo o mistério do universo dentro de si... me conta desse jeito que você olha pros carros ao atravessar a rua, tão infantil, meu deus! mas era esse olhar que eu queria pra mim. não pra mim, como posse, mas pra mim como companhia. sabe, eu penso que talvez fosse melhor nem ter me aproximado de você porque isso de intimidade só fode tudo. é, fode, mesmo. como assim, eu, tão lady, usando essa espressão?!? mas fode mesmo, fazer o quê...? é, devia ter ficado calada, em cada verso que eu guardo como coisa íntima, profunda... mas eu falo demais, sempre morro assim, feito peixe, pela boca. e nem morro de todo, fico só capenga, pela metade, cada vez mais. é... nem eu me aguentaria, se fosse você. mas me diz: a culpa é de quem?

ninguém tem culpa, outra vez.

vou me foder de novo.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

"olhando aqui, agora, meus álbuns, a minha história contada por fotografias, me deu um estalo e eu nem sei se devia dizer. engraçado no meio de tantas imagens minhas, da minha família, dos meus amigos mais chegados, ter tanta foto tua. tanta, tanta, mas tanta que parece que talvez tua vida esteja mais atrelada a minha do que eu ouso pensar. será que minha biografia não é protagonizada só por mim? não é insegurança, não é egoísmo, não é tentativa de parecer indiferente e fria. não. é curiosidade, mesmo. porque sinceramente não sei cortar as partes onde você aparece, não sei simplesmente desfocar a tua presença sempre tão cúmplice, do meu lado em cada momento, sorrindo de um jeito sereno como quem tem certeza de coisas que ninguém mais sabe. um sorriso tão calmo que chega a ser segredoso. fico me perguntando se tivéssemos gerado um filho, sei lá. seria ruim, assim tão jovens, mas talvez assim eu pudesse justificar essa tua presença nas histórias que eu conto, nas minhas lembranças... não é que eu te ame do mesmo jeito, não é isso. nem o exato contrário. a questão é que o amor nesse momento é o que menos importa, é acessório. o que eu queria entender é o porquê de às vezes parecer que somos o destino um do outro, e que esse hiato é só pra que possamos nos tornar perfeitos e merecedores um do outro. ou mais imperfeitos, e por isso mesmo mais tolerantes um com o outro. eu não sei."

daí isabelle dobrou a folha da carta e suspirou, com um pesar de quem não consegue chegar a conclusão alguma. procurou um envelope e não achou. merda, se igor ainda estivesse ali, sempre perto, ela teria a quem perguntar onde estavam. e ele saberia a resposta. porque ele, irritantemente, sempre sabia alguma coisa sobre tudo.

domingo, 5 de abril de 2009

faz tempo

Tenho sonhos em preto e branco, ouço vozes roucas, chamados constantes. Vivo em uma eterna fantasia, falo sozinha, irrito-me com o perfeito. Sou o retrato da demência. Carrego em mim todas as neuroses e psicoses em elevado estágio de evolução, minha essência é loucura e meu espírito é delírio. Possuo as marcas do desvario: a credulidade na verdade inexistente, a busca pela felicidade perdida não sei quando, a desonfiança nos que se dizem normais e olhos que miram o infinito mesmo fitando um objetivo material e frívolo. Ou em frente ao espelho. Principalmente em frente ao espelho, aliás... Cada dia não reconheço os traços do caos, a ebulição íntima que me toma a todo momento se faz visível em minha face maldita que não consegue resistir aos encantos da alma que nada faz além de sua própria vontade baseada em razões néscias e entorpecidas. A sobriedade que me restara transformou-se em fumaça, e de fumaça em nuvem, que precipitou-se em cima de meu reino utópico e fez chover radiação cancerígena sobre os sentimentos. O átomo desencadeante e quebrado fui eu mesma, partilhada, alterada e excitada, na constante venda de meus princípios duvidosos e valores baratos, de meus desejos vadios e provenientes da desordem. Tudo em mim é xepa, sou a carne gordurosa e nervurenta que restará entre as migalhas de tua mesa, ao menos que resolva ingerir-me e infectar tuas entranhas com o sabor putrefato que é inerente a mim. Conquistei a excelência da vagabundagem, busco o primor da ironia. Os apuros me são enojantes e a perfídia me acena ao lado. Se meretriz rima com perfuratriz, serei eu a enfiar-me me ti, e retirar o que ainda pode haver de bom entre tuas tripas com minha pua blindada com o significado alienado da extravagância presente no mundo sórdido do qual fazes parte. De podridão e devaneios me faço. E de sofrimento e sarcasmo me alimento, nada mais posso fazer senão tentar iludir-me que a lúcida sou eu e todos os outros padecem de distúrbios gravíssimos e incuráveis. Perjuro a própria insensatez espontâneamente de vez em quando para nem à ela me aprisionar. Minha sólida base é a ilusão, e o clamor da moral só tem de mim a resposta da surdez. Meus ruídos ásperos, cavos e espalhafatosos só servem pra sinalizar meu estado. A estridência de que me utilizo é falsa, mordaz e objeto de meu desfrute e consequencia da alucinação permanente. Me recuso ao tratamento por saber que para mim não há cura, uma vez que não há doença. Sou a dualidade em pessoa, o paradoxo encarnado, as duas faces da moeda em sensações, o antagonismo revelado, enfim, sou eu. Nada do que faço tem razão lógica dentro de si, tudo é infundado, desprovido de todo e qualquer respaldo imaginado. Sou o fruto da desordem, o resultado da desilusão, o deleite criminoso das paixões liberadas. Quando nada mais importar, e só quiseres birncar com as fartas e nefastas possibilidades, quando não tiverdes mais esperanças, quando nada mais possa ruir a não ser teu frágil fôlego vital, quando fores abandonado e cruelmente rejeitado, quando te tornares escravo das circunstâncias, serás tomado pela mesma essência que agora me compõe, te tornarás meu irmão idêntico em espírito e corpo, terás o brilho da insanidade no fundo das janelas de tua alma, que enganará e só se identificará realmente para teus novos e compreensivos parentes, singelos psicopatas, monstros mentais ensandecidos.

domingo, 8 de março de 2009

o filho de minhas tristezas

"confesso que hoje é difícil resistir aos apelos da morte. mais que nunca fica claríssimo o fato essa tristeza nunca ir embora, só adormecer. que se morresse, não voltava. mortos não voltam. quisera eu não voltar. talvez assim, o vazio espalhado e cortante no meu peito morresse também. alívio, só desejo alívio. para cada dor e cada fracasso, que parece me cortar ardentemente em lâminas. enfim, cada parte de mim, pois sou feito apenas disso. não adianta tentar ver vitrines. meu reflexo aparece nelas, transmutando o abajur em forma de globo terrrestre. não adianta tentar fugir, só a não-existência acabaria com esse martírio burro que é viver. talvez a vida de cada um seja uma paixão, como a de cristo. mas cadê a epifania? e cadê a coragem, que eu não vejo? onde ela se esconde em mim, se é que existe? eu sou o fracasso completo"

depois de escrever tudo isso, benoni viu a própria imagem defenestrando-se e caindo no espelho d'água, lá embaixo no hall do prédio. mas foi só fantasia, porque percebeu que não havia feito nada, e nem faria. não que não sentisse vontade - não era valente o suficiente pra isso. até no suicídio ele fracassava.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

alvíssimas paredes próximas entre si, reluzentes ganchos metálicos razoavelmente altos, novíssimos punhos suspendendo a rede no ar, como um feitiço. o balançar da ocasião de subida naquilo o colocava em movimento. o ir e vir do pêndulo que se fazia de tecido e gente dava um nó na cabeça dele, um embrulho no estômago que o fazia considerar parar aquilo e pôr-se em terra firme: o chão, com simpáticas formiguinhas enfileiradas rumo a algum lugar secreto. mas a preguiça, que era tanta, o impedia de tomar qualquer atitude. e assim, o fastio progressivo teve seu espaço de crescimento. olhou a raiz da árvore, que se punha em frente a varanda. retorcida, gasta, velha, antiga. mais que tudo isso, vivida. a copa da árvore transmitia toda a vivacidade que é possível ser expressa, mas a raiz, que era seu sustentáculo, só mostrava decadência. a alegria das folhas claras quase transparentes quando novas, que farfalhavam suavemente por não estarem ressecadas, era baseada em tronco firme e rizos de podridão. até a grama perto da parte exposta da base da árvore não vingava - havia um círculo de esterilidade em torno daquele monumento natural, era como uma proteção do resto da natureza contra aquilo. a textura da parte mais baixa variava da do resto da planta, era como cortiça, era como isopor, era como morte. então, teve um lampejo que mostrou a pior parte de si mesmo, a parte que resistiu a todos os rituais de auto-lapidação. quando se deu conta que a árvore era ele e que o cheiro fétido vinha do próprio âmago, vomitou sem sair do lugar. foi um monstro em que se abriu um buraco e que jorrou podridão. ainda assim, o que o sustentava não foi expulso, só foi exposto [um aviso do infinito], como a raiz de uma árvore velha e imóvel.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

sabia que estava envelhecendo porque pensava de um jeito cada vez mais amargo. "pensamentos amarelados e duros como os de uma velha azeda", dizia a si mesma. a ideia dos anos impressos nas rugas na face a entristecia, porque não fazia muito tempo, ela era jovem e tinha sonhos. ou pelo menos ansiava ter sonhos que fossem vividos. agora, nem isso. não mais. não depois daquela vivência, daquele casamento maluco com o homem que mal conhecia. o enlace como fuga a aprisionou num mundo de obrigações e tarefas que a absorveu e então ela deixou de ter tempo para ser ela mesma. a essência não resistiu aos afazeres domésticos executados mecanicamente. ela se culpava por ser má administradora de um lar fadado à ser só mais um, comum, opaco. mas a culpa não era dela, não toda. a culpa era de todos que a deixaram dar um passo em falso, que não a impediram quando era possível. mas talvez, fosse isso mesmo, tudo um grande embuste com o objetivo de prendê-la àquela armadilha que se vendia como um modelo de união, afeto e carinho. carinho... grande balela! a coisa mais perto que chegava disso naquela convivência familiar era a falta que sentia do barulho das crianças pela casa, das chaves do marido ao chegar do serviço. não era alegria pela presença dos entes queridos, mas simplesmente o prazer cotidiano do ouvido acostumado aos ruídos da casa. não gostava de perceber isso, nem de sentir o alívio quando o esposo saía, e os filhos também. era tão bom ser só, ser livre, andar pela casa como uma alma penada em um plano invisível que só ela conhecia...! nesses momentos em que o espírito da essência roubada vagava pelos corredores em busca de algo com que se entreter, pensava em matar cada um dos seus algozes, pra que fosse sempre assim, gostoso, sereno, tranquilo, só dela. a casa só dela, o controle da televisão só dela, a geladeira só dela, o telefone só dela, o oxigênio só dela, tudo, tudo, tudo pertencendo a ela e só a ela. até que aquele povo voltava e ela nem se sentia invadida, sentia só que sua liberdade havia sido cerceada... daí a culpa por ter desejado que eles morresem a invadia, e ela ia percebendo que nem era vontade que eles morressem por suas mãos, nem mesmo que morressem, ela só queria que eles não mais existissem e a libertassem, assim, da prisão familiar que a cercava o tempo todo. a cada segundo de sentimento de culpa, amarelecia mais, ficava mais amarga e intolerante. com os familiares e consigo mesma. o ar de quem não se suporta gritava dos poros, reclamava a importância que não lhe era dada, e ela se afundava numa aura de indiferença que não era desprezo, era sofrimento. pensava na mãe, que se encaixava tão bem no papel de mãe-esposa-dona-de-casa, e surgia uma pequena revolta de não ser como a mãe era, e a mãe não ser como ela era. agradecia clandestinamente o fato dela estar morta, porque seria ainda mais difícil existir convivendo com uma matriarca que representava tão bem o ideal feminino, lembrava sempre das tias que se referiam à mãe dela como "a mulher que fazia faxina sem descascar o esmalte, que cozinhava sem desmatelar o penteado". ao recordar do falecimento da mãe, percebia que talvez estivesse velha há mais tempo do que podia se dar conta, talvez todos já soubessem da sua perda de frescor antes dela. se sentia traída de novo. bem que o marido podia traí-la, se envolver com uma mulherzinha dessas e deixá-la, libertá-la. mas não. ele se portava de uma maneira irrepreensível, e ela se roía de ódio por dentro, porque queria mais que tudo que algo destruísse aquela família, fazendo dela uma pessoa, não mais detentora de um papel social que ela escolhera sem nem saber. ai, se o tempo voltasse... o tempo, maldito, ali, em cada dobrinha minúscula que se desenhava na pele em volta da boca, dos olhos. o tempo circunda os olhos, os anos ficavam guardados ali, em torno de cristalinos que não viram tudo que tinham pra ver. "cadê a juventude, meu deus? porque não a estraguei, como deveria, quando podia?". só depois de toda uma vida, conseguia entender que viver era na verdade estragar a vida que se tem pela frente, do modo que dá na telha. sentia que deus, o tempo e todos em volta a traíam em segredo, mantendo-a cativa daquele inferno transfigurado em comercial de farinha de trigo. quando via o avental da mãe, sujo por causa de receitas que ela fazia com sorriso nos lábios, pensava em como alguém podia se prestar àquilo. e agora, sentada na mesa da cozinha, esperando a panela de pressão chiar, com a mão embaixo do queixo, com os dedos fedendo a alho, percebia que ela também se colocara em um papel coadjuvante, cozinhando coisas que não gostava para pessoas das quais não gostava, especialmente. gostava tanto da família como dos vizinhos, aquele amor doméstico de quem habita o mesmo espaço por muito tempo. um amor puramente ligado ao dever ético. nunca se apaixonou por um homem, quando foi pedida em casamento, aceitou porque ficou envaidecida, ficar noiva, antes de todas as amigas, que em vez de casarem foram conhecer o mundo. o mundo que dela era tão distante, uma vez que a janela da cozinha dava para um muro. o planeta no qual vivia era o que cabia entre muros. como uma penitenciária. mas penitência pelo quê, qual o crime? se perguntava como pudera fazer uma escolha tão equivocada, que a fez chegar até ali, mas não toda, porque só cruzaram a linha de chegada algumas partes, as que resistiram a monotonia de uma vida sem cor, uma vida de ritmo previsivel e enfastiante. sem nenhum acontecimento. sem expectativas. e nada da panela chiar...

domingo, 8 de fevereiro de 2009

gostava de sentir os pés no chão gelado. os dedos todos repuxavam levemente, ao contato com a superfície empoeirada e com o verniz dos tacos de madeira descascando. as narinas sentiam que tudo cheirava a verde, uma natureza etérea que entrava pelas janelas. porque dentro da casa, nada tinha vida. apesar disso, havia uma atmosfera de ação dentro daquele lugar, mesmo com os móveis de linhas retas, as cores todas pastéis, a sobriedade da decoração. uma samambaia artificial se mexia com a brisa que entrava - era o movimento da cena toda. porque ela nada fazia, era estátua naquele sofá em frente à parede. a única coisa que sentia eram os pés. até a respiração parecia suspensa, toda a existência havia sido suspensa. ela, agora, era só pé. toda pé, planta do pé. na cabeça, uma música que falava de céu, sol e mar. mas não ouvia a música e nem pensava nela, eram só dois versos que se repetiam sozinhos como um mantra. amargura em sua boca não mostrava os dentes, e eles nem eram de chumbo. o gosto azinabrado que envolvia sua língua era quase demência. pelo corpo, correntes de satisfação se desfaziam ao percorrer todas as veias coloridas, a pele toda pensava e sabia algo superior. naquele momento, em que pairava, fazia nada, só sentia e nem pensava, ela era plena. sua biografia poderia ter se resumido a um longo e extenso momento esse, que assim teria sido muito melhor e significativa. até que alguém resolveu passar café, e o cheiro do chá preto do pó de sementes moídas invadiu aquela instalação toda perfeita e houve desequilíbrio. ela piscou e pensou: quero café. e isso bastou. a partir de então, tudo que aconteceu foi só decadência. o auge daquela vida dela foram pés descalços num chão frio.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

o cheiro de erva doce, as cartas, tudo lembrava ele. nas horas em que estiveram juntos, em todos aqueles anos que já eram passado distante, não havia paixão, não havia ciúme. era tudo letargia, mas de um modo bom, quase em sépia. a relação inominável, o título indizível, as noites dormidas como adultos que não eram, mas tinham dentro deles, tudo, tudo, parecia tão distante como um sonho. bom? sem dúvidas. mas maduro demais, completo demais, denso demais, existencialista demais para seres com tão pouca idade nos ombros, com tanta inexperiência nas retinas... faltou o que só a maturidade mostra - que o que se chama de tédio ameno na realidade é paz. e a isso, só se dá valor quando já se passou por turbulências seriíssimas. almas velhas em existências jovens não querem descanso, querem explorar e tudo que isso implica. então, se está saudável demais, abre-se a porta para o estranho que desequilibrará o estado perfeito da bolha. é mais atraente o nocivo, o perigo, a desculpa para o passional. por isso o fim abrupto como um atropelo. por isso as palavras incoerentes sobre coisas simples. por isso foram viver mais, sofrer mais, quebrar cara e coração - para dar valor ao amor absoluto é preciso padecer. nisso, ela não se lamentou, porque a parcimônia só é felicidade depois de muitos bacanais.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

todos nós, bem pequenininhos.
do tamanho de clichês.
porque não importa quem seja,
sempre se encaixa em algum.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Todos parecem felizes na frente das câmeras. Quando vão pra casa, choram. Muito. Fingir felicidade, transparecer algo que não se tem deixa um vazio que dói e tenta consumir tudo à sua volta. Produz rios lacrimosos que escorrem nas faces dos fingidores, quando estes estão no refúgio de suas casas, lá, onde se sentem seguros e sozinhos. No caminho, às vezes. Quando já não dá mais para segurar a dor que irrompe o peito, as lágrimas ganham vida própria e atravessam os caminhos desconhecidos. Elas [as lágrimas] não temem sair de seus abrigos e rumar ao desconhecido, expondo as angústias de seus antigos aprisionadores. Ao contrário deles, elas se dispoem ao objetivo pelo qual foram inventadas. Quem inventou as lágrimas? Alguém poeta. Pois o ato de chorar envolve mais poesia que muitos atos tão cultuados. No entanto, ocorre verdadeiramente no solitário, no escondido, no escuro. Quando todos fecham os olhos e se desligam do mundo. Quando os sonhos são permitidos e lençóis alvos percorrem espumas e corpos, abrigando as fantasias deslocadas. Quando a imaginação toma forma e domina o mundo, enquanto do outro lado, outros se preocupam na claridade e no caos. A paz de uns é a agitação de outros. E a dor continua, só se esconde para mandar dizer que não existe. Ocorre na intimidade de si mesmo, na ciência do próprio ser. Quando nossas mentem se depositam no macio e os pensamentos se tornam tão cortantes que fazem com que cortemos os pulsos. Pelo menos o desejo de fazê-lo aparece quando nos dispomos a avaliar o que vivemos à claridade. Quando tínhamos que olhar nos olhos das outras pessoas e dramatizar sentimentos felizes. No que pensamos e o que fizemos. No que deixamos de fazer por medo das outras pessoas, ou pelo que elas iriam achar, ou pelo que elas irião perceber do nosso íntimo. Ocorre na dor de um ser que não se conforma com este mundo e tanta transcender o que sofre. Se ocorre na frente de outros, ou é de quem se tem confiança, ou é falso e sem valor, profanado pelo desejo de fuga. As lágrimas são sagradas, pois foram criadas por Deus e são uma forma de prece comovida, pois à medida que elas saem, e começam a secar, nos acalmamos e nos reconfortamos. Deus poeta deve tê-las criado para nos mostrar nossa fragilidade e delicadeza. Mostrar como somos impotentes diante de um mundo que nos açoita querendo receber sorrisos e agradecimentos pela alma machucada e o corpo ferido. Mostrar como nos sentimos melhor apenas com simples gotas salgadas, que quando chegam à boca, depois de já ter lavado o rosto sofrido, vêm com um gosto amargo e doce ao mesmo tempo. A língua passa freneticamente pelos lábios, recolhendo mais néctar para nutrir o espírito. Apenas com quatro elementos químicos nosso espectro sublima e se paralisa. Pelo menos a dor diminui ou adormece, esperando pelas próximas pancadas, quando novamente nos humilhará diante do mundo. O Poeta inventor das lágrimas talvez tenha posto o lirismo das gotas que levam um pouco de nosso interior para o mundo que nos aflinge na frequência em que elas ocorrem. A abundância de lágrimas não mostra necessariamente fraqueza. Porque a dor, às vezes, aceita ficar quietinha dentro de nós, só destruindo lentamente à nós mesmos, sem revelar aos outros a amargura que nos dá fôlego. E às vezes rompe todas as barreiras sem que sequer percebamos. Nem a ausência mostra necessariamente força, pois às vezes a dor é externada através de castigos para outros, na forma de um sadismo que a ninguém verdadeiramente causa satisfação. Mas as variações e o tempo e as situações que nos ocorrem para que elas caiam enfeitam a vida e a morte, como num ciclo harmonioso ordenado pela gaia. O Poeta pode ter trabalhado na frequência com que elas não ocorrem, as tornando especiais e únicas, pois cada gota daquela é composta por uma combinação única de sentimentos, que só nasce uma vez em todo o universo. Muitas vezes, elas são mais devastadoras que as tempestades. Apenas com algumas gotas purificam nosso interior, ou põe mais ódio dentro de nós pelo que nos causou a humilhação das lágrimas. E elas continuam trazendo em si algo de divino, talvez proveniente do Poeta. Pois no mal traz o bem. E no bem nos recorda do mal, para que não voltemos a pisar lá, na terra seca, onde só as lágrimas penetram, nos guiando para a calmaria. Desbravadoras de um mundo mau, elas enfrentam sem medo as barreiras que se impoem à elas. Se algo é fincado em meio a seus caminhos, elas apenas contornam o imprevisto. Elas traduzem os sentimentos conturbados dentro de nós, que acabam por ebulir na forma de água sagrada. Elas transformam dor amarga em água purificadora. Os rios que desenham a face devem pesar muito, pois geralmente quem chora de verdade abaixa a cabeça e a leva em direção ao peito, onde dói, onde as chagas tentam abrir. O fingimento da felicidade só produz mais dor, e mais depressão. Pois os conflitos podem ficar escondidos algum tempo, mas cedo ou tarde, vêm reclamar seus direitos de resolução, desejando rumar ao céu dos sentimentos. Lá, eles já não ficam mais envoltos em lágrimas para a hora do parto. As câmeras não filmam esse céu...

Desde antigamente.