terça-feira, 11 de novembro de 2008

aliterado

"...não adiantam lutos derradeiros, nada que olhe para trás adianta. quero algo que olhe para frente, dessa vez alcançarei um futuro valioso, sem essas memórias servindo de fantasma e tropeço. eu quero parar de ser minha própria barreira, quero poder culpar alguém. já chega dessa auto-suficiência até para os pecados. eu sou meu deus e seguidor, em uma religião nada indulgente. a mentira é minha salvação. quero mais que essas coisas que vejo, não quero mais ficar confuso por não saber qual parte da minha vista não pode ser vista pelo resto do mundo. eu quero é mais. mais que essa vida..." - com esses pensamentos decisivos, seguiu.
Na sala, uma mulher o esperava. Aparência grave mas suficientemente gentil para que não fosse detestada de imediato. Os cabelos no rosto, evidenciavam algo de uma rebeldia que já fora bem mais que apenas insinuada. O esmalte descascado das unhas lhe emprestava um ar de desleixo que só os desocupados têm. Os olhos, claros mas não muito, fitavam a porta desde duas horas atrás. Quando a porta se abriu, o levantar dela foi quase instantâneo. Braços lutaram, costas arquearam-se e rostos se apertaram. Foi um abraço. O mais longo em, no mínimo, um ano. O desespero sempre remedia as corrupções do tempo. O tempo não lhes era favorável. Nunca havia sido.
Começou a falar para a mãe tudo que o angustiava, num ritmo que cadenciava como que para demonstrar a loucura à espreita. O olhar raivoso mostrava, na verdade, medo. Mais que isso: impotência. Jovem, com a ignorância dos que tudo dominam, ditava suas verdades contrapostas sob o olhar amável e preocupado da mulher que o havia amado desde a hora que o soubera seu. As frases enrolavam-se em vários quase-choros, que, sucessivos, presenteavam-lhe com uma aura infantil. Não era, mesmo, muito mais que uma criança indefesa desconsolada pela ausência repentina dos protetores e sob uma injustiça. Era só o mesmo que já havia sido há alguns anos: alguém assustado. Nunca deixara de ser, talvez nunca deixasse.
Por trás dos olhos de amêndoas amargas, pensamentos se queixavam do cheiro ruim que emanava dele. Perguntava-se por onde ele havia andado, em todo aquele tempo. Desde quando ele sentia aquilo? Em que momento adquiriu as mágoas e dores dos que já já existem há tempo bastante para perceber o sofrimento de viver? Quando crescera em tormento? Quando ficou, mais que nunca, semelhante a ela mesma? Em seus olhos nada disso se via: a passividade aparente era sua maior atividade.

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